4 de janeiro de 2011

O Conto de 8 nomes possíveis...


Ultimamente, tenho sentido que histórias sem sentido algum têm gritado dentro de minha cabeça. Vou postar, hoje, uma delas, que tem oito nomes possíveis, portanto, cada um pode chamar este pequeno conto bizarro com o nome que achar que se encaixe melhor. Sintam-se à vontade para comentar, criticar ou elogiar.


Clarissa (O Banho, Inocência Roubada, Sonho Morto,
Existência A-nexa, Morte Diária, O Vapor no Fim da Tarde, Verdades Vazias)

"-Ao contrário do que você pensa, não me agrada viver esta vida imunda!
Depois de encerrar a discussão com estas palavras, Clarissa trancou-se no quarto e sentiu uma náusea subir-lhe do estômago à alma, e um certo pavor de vida lhe turvou a visão. Havia gritado tudo o que estava engasgado em sua garganta havia anos, desde que se entendia por gente, e não se sentia aliviada de dizê-lo, já que a vida ainda lhe fazia um peso sem fim sobre os ombros e sobre a alma. Adormeceu.
No fim da tarde, resolveu despir-se da roupa da noite que ainda persistia, bem como o perfume forte que já lhe era peculiar. Antes de tirar a roupa, abriu o chuveiro e seu corpo esguio desejou provar da quentura daquela água que jorrava impetuosa. Observou as marcas da violência recebida de seu cliente que mais aprecia um bárbaro. Já debaixo da água quente, sentiu as dores e as infelicidades de uma vida sempre miserável e cheia de perplexidades. Por fim, sentou-se ao chão, e enquanto os vapores de seu banho lhe lavavam o corpo, as lágrimas que lhe corriam discretas dos olhos lavavam-lhe a alma de todas as atrocidades que a vida lhe havia imposto. Chorou copiosamente e se deu ao luxo de abafar os soluços para que ninguém os pudesse escutar.
Por algum tempo, durante aquele choro vespertino, chegou a sentir nojo de si mesma, mas afinal, era a única oportunidade que a vida lhe oferecera e, para ela, viver estava sendo suficiente, tanto assim que ela mesma não exigia mais anda de si mesma.
Enquanto as lágrimas lhe corriam pela face, lembrou-se saudosa da infância, dos tempos da amarelinha desenhada no asfalto nu, das brincadeiras puras na calçada da casa de sua avó, quanto sua mãe dava voltas pelo mundo. Lembrou-se do primeiro amor, do primeiro beijo...tão cândido!
E sem alegria ou saudade quaisquer, lembrou-se do dia em que morreu pela primeira vez. Nós temos que morrer tantas vezes ao longo de um só dia e para tanta coisa, que já deveríamos estar acostumados à morte. Para tudo é preciso morrer. Nascer é começar um processo de morte; é caminhar lentamente para a plenitude de ser e para a não-existência. E ela se lembrava da primeira morte, aos oito anos, quando teve sua inocência pisada, destruída e seus sonhos de menina mortos, levados ao sabor da enxurrada. Tinha oito anos, mas a partir daquele dia, nunca mais soube o que era a alegria de uma criança, pois aquele homem de olhos negros e nervosos, de camisa imunda, havia roubado o que de mais precioso Clarissa tinha.
Ainda menina, ela morrera num canto qualquer de um terreno baldio, e com ela morreram as esperanças, as alegrias e nunca mais Ela soube o que era uma noite tranqüila de sono. Começou a acordar aos sobressaltos, chorando, e sentia constantemente que havia um nó em sua garganta, e que havia dentro de si um vazio tão grande, violento e intenso, que era quase palpável. Constantemente era vista olhando para longe, como se esperasse vir pela rua estreita uma resposta àquela dor que a devastava. Mas nada!
E nisso começou a aprender que não adianta esperar respostas ou explicações. Nem tudo o que acontece tem uma explicação, e isso a fazia mergulhar mais ainda em uma descrença quase absoluta de tudo quanto havia na vida. Como podia o Deus a quem fora forçada a acreditar não tê-la livrado de ver morrer seu interior todo cheio de vida? E como numa mistura de prazer e agonia, de dor e amor, êxtase e delírio, Clarissa sentiu, mais uma vez, sob a água quente de seu banho, morrer dentro de si mais um pedaço de sua vida. Já haviam roubado dela pedaços tão importantes de si, partes de uma vida que poderia ser tão promissora, que ela já não conseguia mais ver nada em seu caminho a não ser os estilhaços que sobraram pelo chão enquanto ela caminhava.
Simplesmente cansada! Cansada de ver morrer aquilo tudo que ela considerava importante, de ver morrer seus sonhos, suas esperanças, suas alegria...
Buscava também a verdade. Mas não um verdade qualquer. Buscava uma verdade que a pudesse preencher, que trouxesse um pouco de leveza à sua vida conturbada. Mas todas as verdades oferecidas a ela eram insuficientes, cheias de conceitos que já não mais cabiam em seu pensamento fluido (náusea). De tanto ouvir verdades vazias, resolveu acreditar em suas próprias verdades, e isso lhe possibilitou certa leveza, muito embora, o pavor que tinha de viver fosse gritante.
Após chorar sob o chuveiro, sentada àquele chão que lhe era tão conhecido, Clarissa se levanta e vai olhar-se no espelho, o chuveiro ligado. E viu ali não uma garota que vendia prazer aos outros, mas o pálido reflexo de alguém que apenas recebeu duros golpes da vida e nada pôde fazer para se fixar naquilo que chamam lado bom. Olhou-se e chorou um pouco mais. E o vapor a inundar o banheiro". (29/12/2010 – 00:02h)

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