25 de junho de 2012

Por que a vida surge de onde menos se imagina...




Ainda há vida

"Quem observasse de longe, julgaria que não mais havia vida ali, naquele corpo já velho. Há algum tempo, andava com dificuldades, apoiando-se numa bengala de madeira pesada que, muitas vezes, se mostrava insuficiente.
Na juventude, fora vaidosa. Sempre de unas esmaltadas, cabelos arrumados, vestidos elegantes, mas com certa sobriedade que davam à ela certa imponência. Da mãe, recebera a herança de uma casa num bairro nobre e os hábitos cristãos. Flertava com os rapazes e com a vida com a petulância de uma criança sem rédeas, porém, não se dava ao luxo de mergulhar numa paixão desmedida, pois acreditara piamente que o amor lhe bateria à porta do coração e lhe faria a vida sorrir com pontos de exclamação. E assim se fez!
Casou-se com o senhor Oliveira, que lhe deixou cedo, quando morreu num desastre. Deixara-a com um casal de filhos a educar. Quanta tristeza! Exausta de solidão, já velha, então, passava os dias diante da televisão. Deixava a porta da sala aberta, sob o pretexto de arejar a casa, que não era mais tão organizada quanto antes, afinal, deu-se ao luxo de deixar sua casa com a cara que achou necessária, mas na verdade, gostava era de reparar nas pessoas que passavam pela rua, os vizinhos que paravam para conversar.
Foi numa noite quente, no fim da primavera, que voltando da igreja acompanhada da filha que se deu o fato extraordinário. Em seu vestido sóbrio de idosa, caminhando com o braço direito apoiado ao braço da filha – companheira fiel – que aquela simpática senhorinha mostrou o resquício de vida que ainda lhe enchia o peito de ar fresco, como uma lufada logo pela manhã. Caminhando pela calçada plana, auxiliando-se de sua bengala, a senhora Ofélia rompeu o silêncio daquela caminhada que, para alguns teria demorado o tempo de toda uma vida:
- O Seu João não passou por aqui hoje! Será que o velhinho está bom? (Silêncio)
E não houve resposta. Certamente, dona Ofélia se contentou magnanimamente com o silêncio eloqüente da filha e calou-se, também, como se a vida lhe fosse estancada ali.
E por um instante, Ofélia deixou transparecer que por debaixo daqueles óculos de grossas lentes, independentemente da velha e tosca bengala e do seu vestido sóbrio, havia ainda um rio de vida a correr caudaloso por seu interior.
As duas mulheres continuaram a caminhar, seguindo seu caminho rumo à casa das portas abertas, onde o cheiro do café impregnava os quartos toda manhã.
Ninguém se dá conta da vida que pulsa feroz em meio ao que, tantas vezes, já perdeu a beleza; ninguém fala nada. Nem mesmo a filha de dona Ofélia disse, porém, vai-se percebendo, ao longo do caminho, que até mesmo sob os escombros de vida que restaram por cima de nós, existe afeto. Sempre existe uma folha verde que cresce entre o concreto acinzentado e que dá, certamente, novo ânimo a quem vê". (Juliano Cruz – 07/12/2011 – 23:54h)


24 de junho de 2012

Não sei ou não me lembro exatamente como o texto que segue chegou em minhas mãos, haja vista que acabeid e reencontrá-lo numa pasta do computador. Porém, achei-o de uma verdade incrível e, por isso, quis postar para que mais gente tenha acesso a ele, muito embora, acho que quase ninguém passe por aqui. Aliás, nem eu tenho passado tanto quanto gostaria/deveria). Espero que apreciem.

Arrebentação - Dialogando com 'Viva a Carambola' de Silva Alves

"Eu não vou mais me apequenar para caber no mundo. Não vou deixar de ir ao baile pela ausência do traje adequado e, lamento, mas daqui pra frente, nada de sorrisos disfarçados. Ah, e tem mais: eu não vou pedir desculpas pela cor dos meus sapatos.
Os meus métodos e a medida dos meus quadris são a minha identidade. Eu não vou mais ser discreta e nem varrer os sonhos pra debaixo do tapete. Eu não sou um currículo e não vou mais me esmagar pra encaixar meu corpo dentro de um uniforme. Eu não nasci de uma forma, de um molde. Eu tenho um nome e quero ser chamada por ele.
Eu não vou mais me acabrunhar. Não vou abrir mão da minha vez, do meu voto, do meu lugar. Nem vou mais refugiar os olhos no breu das pálpebras quando me encaram. Eu quero mais é revidar, me agigantar, reconhecer minha sombra no chão e apreciar a dimensão e a forma que ela toma por onde passo.
Eu não vou mais terminar as coisas com pontos finais, nem vou suspender minhas declarações de amor no fundo falso do céu da minha boca. Não viver me deixa muito cansada. Eu não vou mais pedir licença para existir, nem vou me desculpar pelos meus vícios, pelas roupas que uso ou pela p. da cor que eu escolho para os meus calçados.
A minha essência prevalece abrindo os braços, se espreguiçando, rebentando o mundo com seus centímetros a mais. Eu me recuso a andar pra trás. Lagarta que se transmuta em borboleta não volta pra dentro da caixa; Menino que se infinita em luz, ninguém ofusca; Cigarra que se assume quando canta, vira canção..."